Abd Jabbor, de 49, se refugiou em Brasília para reconstruir a vida ao lado da esposa e das filhas
Arquivo Pessoal
Imagine a seguinte situação: você é casado, tem três filhas – todas ainda crianças – e tem uma vida de classe média alta. Possui duas casas próprias, é formado e trabalha como engenheiro civil. De repente, você se vê em meio a uma guerra, suas duas casas explodem e você é obrigado a sair às presas de sua terra natal. Foi exatamente isso que aconteceu com Abd Jabbor, de 49, que se refugiou em Brasília com sua família por causa da guerra civil na Síria.
O engenheiro, hoje desempregado e lutando para reconquistar tudo que perdeu, chegou na cidade com a ajuda de um parente. Por não falar português, a filha mais velha, N. Jabbor*, foi quem contou o drama familiar ao R7 DF.
— Quando começaram essas guerras [na Síria] ficou muito difícil para minha família. Não podíamos mais ir para a escola, porque não era seguro. Por isso, resolvemos ir para outro país.
A garota conta que, em seu país, faltava tudo – até energia elétrica. Havia comida, mas era muito cara e as pessoas mal conseguiam comprar. Na esperança de uma vida melhor, vieram para o Brasil, onde, infelizmente, as dificuldades não pararam.
— A gente ficou pouco tempo [na residência de nosso parente] e conseguimos alugar uma casa, mas foi difícil porque estrangeiro não pode alugar casa no nome [dele], procuramos uma que não tinha tantas exigências.
A família veio com algum dinheiro guardado, dos bons tempos na Síria. Contudo, ainda no avião, Abd quebrou um dente e foi a um dentista que teria usado materiais sujos para reconstruí-lo. Com isso, o procedimento que antes parecia simples se tornou uma dor de cabeça e eles precisaram gastar todo o dinheiro em três cirurgias para curar as inflamações que surgiram.
— Se não fizéssemos ele ia morrer, mas agora ele está bem — comemora a filha.
Sem dinheiro e sem diploma, que acabou ficando na Síria por conta da guerra e que não teria validade no Brasil, Abd e sua esposa, Jana Jabbor, de 35 anos, decidiram fazer quitutes Sírios para vender na cidade.
Desempregados, o casal começou a fazer quitutes típicos da Síria para conseguir sobreviver na cidade
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Na Síria, Jana trabalhava como professora de Árabe e Inglês, mas sempre teve mão boa para salgados e doces típicos de seu país. Graças a isso, hoje a família tem uma renda média de R$ 2 mil, mas, sem entender bem o que estavam fazendo, acabaram alugando um apartamento com aluguel de R$ 1.900 e que tem um condomínio de R$ 500, na W3 Norte, região do Distrito Federal.
— Minha mãe faz as comidas, meu pai procura os clientes e cuida das encomendas, mas não tem salário fixo e está muito difícil. Nós não sabíamos que o aluguel era tão caro, estamos procurando outro lugar.
A vida da família Jabbor aos poucos está sendo reconstruída em Brasília, mas, ainda assim, a mente de todos permanece cheia de incertezas e saudade de tudo que ficou no passado.
— A gente tinha duas casas, uma na cidade da família do meu pai e outra na capital. Quando começaram as bombas, explodiram as duas. Por sorte, quando aconteceu isso estávamos na casa da minha avó, em Damasco. Antes disso, [nossa vida] era muito melhor que agora, eu e minha irmã estudávamos em uma escola particular e era muito seguro lá, tinha como passear de uma cidade para a outra. Aqui no Brasil não dá para fazer isso.
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Quando questionada sobre qual o seu maior desejo nos dias de hoje, N. Jabbor não pensa duas vezes e responde: voltar para a Síria. Isso porque, mesmo com os doces e salgados tendo uma boa saída, o salário não é fixo e tem mês que a família fica completamente sem dinheiro.
— Tínhamos uma vivencia especial com a família e agora somos sozinhos. Amigos também, tem amigos que morreram, que dá tristeza de pensar que quando voltar não vamos mais ver. Mas, ainda assim, a gente pensa muito em voltar, caso a vida no Brasil continue assim. Lá saíamos na rua e ninguém roubava a gente.
A filha mais velha conta que ela e suas irmãs se adaptaram rápido ao Brasil. As duas aprenderam falar bem o português e não enfrentam dificuldades na escola, mas nada disso tira a vontade de voltar às origens.
—Minha irmã de 13 anos fala português e minha irmãzinha de 3 anos está confusa entre árabe e português. Ela fala uma frase em português e outra em árabe. Mas nos adaptamos fácil, minhas notas são boas, mas é tudo muito difícil.
*O nome da filha do casal aparece nesta matéria só com a inicial para preservar sua identidade, em respeito ao ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente).
Guerra na Síria
A guerra na Síria começou com manifestações pró-democráticas que desencadearam em um dos piores conflitos armados desde a Segunda Guerra Mundial. A situação empurrou 68% da população local à pobreza extrema. Além disso, mais de 220 mil pessoas morreram nas hostilidades. Antes desta crise, a Síria ficava na categoria de países de renda média, a grande maioria de habitantes tinha uma vida decente, praticamente todas as crianças estavam escolarizadas e o nível de alfabetização era de 90%.
Nesta semana, a presidente da República Dilma Rousseff defendeu a livre circulação de pessoas pelo globo e disse que o Brasil deveria ser exemplo para os países que têm fechado a fronteiras a refugiados do Oriente Médio e norte da África.
— Recebemos sírios, haitianos, homens e mulheres de todo o mundo, assim como abrigamos, há mais de um século, milhões de europeus, árabes e asiáticos. Estamos abertos, de braços abertos para receber refugiados.
Segundo dados do Conare (Comitê Nacional para os Refugiados), órgão ligado ao Ministério da Justiça, o fluxo de refugiados ao Brasil tem aumentado desde 2011.
Hoje o país abriga 7.289 refugiados de 81 nacionalidades distintas. Os principais grupos provêm da Síria, Colômbia, Angola e República Democrática do Congo.Segundo o Conare, entre 2011 e agosto deste ano, 2.077 sírios receberam o status de refugiado no Brasil. O número é superior ao dos Estados Unidos (1.243) e de países no sul da Europa que estão na rota de refugiados e migrantes que buscam as nações mais desenvolvidas do continente.
Via:: R7
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